Esse artigo fala sobre entender cada corpo e as capacidades e limites que o tornam único.
Aviso - Este não será um guia para aumentar o en dehors. Não serão recomendados exercícios, nem mesmo vou afirmar que é possível aumentá-lo.
O que é en dehors?
Devemos lembrar que não é o mesmo que rotação externa do quadril. En dehors é um conjunto de rotações, que ocorrem no quadril, joelhos e tornozelos. Obviamente é mais seguro movimentar e construir o en dehors a partir do quadril, porque ele é a mais móvel das três articulações, e foi designado para mover-se em seu suporte, o acetábulo.
A tíbia pode rotar interna e externamente, variando entre 16° até 60°, dependendo do indivíduo.
O pé também possui certa mobilidade de rotação externa, e também desliza e dobra para os lados, em pronação e supinação (ainda que seja bem mais complexo que isso na vida real.)
Para conseguir mais en dehors é comum ver bailarinos deixando a borda dos pés cair para dentro (pronação exemplificado na imagem a seguir), principalmente em quinta posição. O que não é nada bom. O ideal é encorajar os bailarinos a usarem um alinhamento mais neutro.
Relaxa! Você não é a Svetlana.
Muitos bailarinos e professores não entendem que nem todos conseguem ter uma “perfeita” rotação de 90° en dehors. Ou mesmo 80°, ou 50°.
Todos temos variações únicas. Eu com certeza não possuo o en dehors perfeito, e foi um alívio quando aprendi que na verdade não há muito o que eu possa fazer sobre isso.
Aprendi que existem fatores anatômicos que afetam o en dehors e sobre os quais não temos todo controle. Me tirou a pressão dos ombros, depois de ter passado uma vida inteira ouvindo que eu precisava de um en dehors melhor. Esse novo entendimento do meu corpo foi um alívio, e eu encorajo professores a fazer com que seus alunos também saibam.
Não podemos todos ter o en dehors da Svetlana, e nem deveríamos.
Que mundo tedioso seria, não é?
O grande problema de pensar “preciso de mais en dehors”:
Se um osso está batendo em outro osso, não é possível movê-lo além disso. Tentar “esfregar” osso contra osso é, além de tudo, uma sensação bem horrível. Não faça seu labrum te odiar!
Labrum: é uma espécie de cartilagem, que reveste a parte interna do acetábulo, que é a cavidade onde se encaixa o fêmur.
Repare no rolamento para dentro, especialmente no pé direito. Não faça isso!
Se você tiver anteversão, então, provavelmente, um en dehors de 90° dificilmente será possível pra você. É preciso entender isso.
Forçar o en dehors além de seu natural não irá ajudar a melhorá-lo. Provavelmente só acarretará desgaste nos joelhos, e você precisará parar de dançar. Além do que, não fica visualmente bonito. Mas isso é subjetivo...
Sabe aqueles exercícios que fazemos para fortalecer os “músculos do en dehors”? Eles provavelmente não surtem efeito real algum. Os rotadores externos do quadril correm o risco de ficarem cronicamente enrijecidos, e até causar uma disfunção pélvica.
E não se esqueça dos rotadores internos – a perda de rotação interna é potencial indicativo de disfunção pélvica, que pode levar a lesões e problemas de estabilidade, e devem ser focados em um programa de exercícios (mais no fim deste post).
Também notei algumas coisas muito interessantes dobre o quadril de bailarinos, que é bom saber antes de se começar a tentar conseguir "mais en dehors".
Mais rotação externa no quadril para a direita, e, consequentemente, mais rotação interna na parte esquerda. Existe o oposto também: parece estar relacionado com qual idade o bailarino iniciou seus estudos. Qualquer descompensação de um dos lados pode ser fator de risco para lesões, então talvez seja melhor resolver esses aspectos antes de tentar aumentar qualquer rotação externa.
Inabilidade de atingir ativamente a extensão passiva da rotação do quadril: Isso significa que, se eu pegar com as minhas mãos e mover a perna de um bailarino até o extremo da rotação de seu quadril, e então pedisse para que tentasse fazer o mesmo sem minha ajuda, ele provavelmente não conseguiria o mesmo feito. Na teoria, deveríamos conseguir a mesma medida de rotação ativa e passiva, então talvez seria interessante trabalhar mais nisso antes de pensar em ter mais en dehors.
Inibição de abdômen e glúteos: Isso significa que eles não trabalham tanto quanto deveriam, fazendo com que outros músculos (como os rotadores externos do quadril) compensem este trabalho para estabilizar e alinhar o corpo do bailarino. Isso faz ganhar mais en dehors, porém é mais difícil e até arriscado.
Perda da rotação interna: Em populações normais, a perda de rotação interna está relacionada à dores na parte inferior das costas e disfunção na vértebra S1 (na base da coluna). Rotação é bem importante, na verdade.
A boa notícia é que esses quatro aspectos são treináveis, ou seja, é possível melhorá-los com treino.
E, mais importante, seus ossos não mentem, e você não pode mudá-los!
Não irei entrar em detalhes, mas coisas como ângulo de interversão femoral, orientação do acetábulo do quadril, largura e cumprimento do eixo femoral, e distensão anterior do ligamento pélvico, irão afetar o quanto de en dehors você conseguirá. E não há como treinar esses aspectos.
Por exemplo: existe um tipo de conformação chamada anteversão femoral:
Anteversão femoral significa de a cabeça do fêmur é virada levemente para frente e isso é péssimo se você quer chegar a um en dehors de 90°. Forçar a articulação a virar mais pode apenas causar dores no quadril.
Para citar Bill Hartman, de um artigo sobre anteversão femoral:“Porque isso (a anteversão femoral) é uma adaptação estrutural, a rotação não é algo que se irá mudar com exercícios próprios para a mobilidade do quadril, e a tentativa de fazê-los só resultará em lesões. Se um atleta possui excessiva rotação interna do quadril, fortalecer core e glúteos é essencial. “
Então, por favor, entenda que há coisas sobre seu en dehors sobre as quais você não possui poder, e em alguns casos, pode até ser perigoso tentar força-lo sem ter total entendimento sobre o que acontece com o seu corpo.
Acho que o tema por trás deste post é: talvez seja hora de deixar pra lá. Mude sua perspectiva e pare de se stressar.
Bailarinos expliquem suas limitações anatômicas a seus professores quando se sentirem muito pressionados por eles. Professores: entendam essas limitações, e eduquem seus bailarinos, e os encoraje a fazer o melhor com que eles têm.
Foque primeiro no alinhamento: Sabemos que podemos melhorar o alinhamento por liberação de tecido mole (no caso, muscular), exercícios e consciência postural.
Sabemos que é possível treinar o core para ficar mais forte, e desenvolver melhor o controle. Mas não sabemos se é possível mudar o en dehors além da estrutura óssea genética. Provavelmente não. Não de forma segura, de qualquer jeito.
Treinar o en dehors pode ser potencialmente arriscado, e muitos especialistas concordam que o mais seguro a se fazer seria trabalhar com o en dehors funcional (do quadril, sem forçar joelhos e tornozelos.) Foque-se no que é possível controlar (fortalecimento do core, alinhamento). Não é o en dehors que faz um bailarino melhor que outro, ainda que seja um bônus.
Uma nota importante sobre a força do core:
Lembre-se: se você se decidir em focar-se no en dehors, então você deve antes desenvolver força de core, e em particular, bom entendimento do que é coluna neutra para você. Outra vez: alinhamento é uma das coisas mais importantes que se pode desenvolver.
Muitos bailarinos (e pessoas em geral) têm inibição e fraqueza de seus abdominais, glúteos e outros estabilizadores de coluna e pélvis, com inúmeras estratégias de compensação para suprir essa fraqueza. Talvez também nem tenham ideia do que é seu neutro. Junte isso com a obsessão de treinar o en dehors, e terá a receita da dor.
Quem e quando se deve treinar por mais en dehors?
Na minha opinião, a única situação em que se deve focar diretamente no en dehors é quando o limite ativo de rotação do fêmur é menor que o passivo. Note que também é possível desenvolver mais rotação interna do quadril para a prevenção de lesões, mas isso fica para outro post.
*Adaptado e traduzido por Mariana Kamimura e Milena Pontes do texto original de Monika Volkmar